Em teoria, o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia (TCM‑BA) é um órgão técnico de fiscalização que atua com autonomia para julgar as contas públicas e punir desvios na administração municipal. Na prática, porém, tornou‑se um símbolo do faz de conta institucional: analisa, julga, rejeita — e é solenemente ignorado.
Até recentemente, seu parecer não tinha força jurídica para garantir a responsabilização dos gestores públicos, já que a decisão final cabia às Câmaras Municipais — quase sempre aliadas dos prefeitos. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 982/PR (ARE 1436197, Tema 1287), em dezembro de 2024 (publicado em março de 2025), firmou entendimento de que os Tribunais de Contas têm competência exclusiva para julgar as chamadas contas de gestão — aquelas relativas aos atos administrativos do prefeito como ordenador de despesas —, e que tais decisões não podem ser derrubadas pelas Câmaras Municipais, tendo eficácia vinculante.
Diferença entre contas de gestão e contas de governo
Tipo de Conta | O que analisa | Quem julga atualmente | Efeito prático da decisão do STF |
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Contas de gestão | Atos administrativos e execução direta: contratos, licitações, ordens de pagamento, folha de pessoal, convênios, etc. | Tribunal de Contas (TCE/TCM) – com decisão final e vinculante | Câmara não pode mais rever ou anular o julgamento do TC |
Contas de governo | Execução orçamentária global, cumprimento de metas fiscais, aplicação mínima em saúde e educação, resultado da gestão em sentido político | Câmara Municipal, com base em parecer do TC | Continua sob julgamento político, pode gerar inelegibilidade |
Apesar da robusta estrutura técnica, com auditores, conselheiros e um corpo funcional caro, o TCM se resume a um órgão consultivo disfarçado de tribunal. Sua atuação termina onde começa o compadrio político: os pareceres prévios de rejeição de contas são sistematicamente derrubados por Câmaras subservientes, compostas por vereadores que se comportam como despachantes do Executivo. Um teatro institucional que consome recursos públicos e entrega pouco — ou quase nada — em termos de responsabilização.
Um exemplo concreto é o do município de Tabocas do Brejo Velho, na Bahia. Desde 1990, todas as contas da Prefeitura foram aprovadas com ressalvas, mesmo com nove pareceres de rejeição emitidos pelo TCM. A Câmara, em conluio com a gestão, ignorou todos — exceto dois, em 2010 e 2011, quando decidiu confirmar a rejeição e tornar o então prefeito inelegível. Ainda assim, o gestor recorreu à Justiça e voltou a disputar eleições, provando que, mesmo quando o sistema “funciona”, ele falha. A Lei da Ficha Limpa se dobra à lentidão da Justiça e à complacência política.
O TCM até pode aplicar multas, bloquear recursos ou recorrer ao Judiciário em casos extremos. Mas isso não basta. Mesmo com a recente decisão do STF, que atribuiu poder vinculante aos tribunais de contas no julgamento das contas de gestão, o TCM‑BA continua limitado em sua capacidade de responsabilizar prefeitos no campo político. As contas de governo, que ainda dependem da aprovação da Câmara, permanecem vulneráveis à manipulação e ao compadrio político.
Não faltam vozes defendendo a extinção dos Tribunais de Contas dos Municípios. E não é por acaso. O modelo atual é redundante, oneroso e ineficaz. Já existem Tribunais de Contas dos Estados (TCEs), Controladorias, Ministérios Públicos e mecanismos judiciais com capacidade para assumir essa função — com mais autonomia e menor vulnerabilidade à politicagem local. Manter o TCM como está é insistir em um modelo caríssimo que não cumpre o papel de controle, apenas o de manutenção do status quo.
Defendo, portanto, a extinção dos TCMs. Não como um ataque à fiscalização — ao contrário, como uma defesa real e prática da integridade do controle público. Desde que outro órgão assuma essa função com autonomia total, poder de sanção efetivo e independência das Câmaras Municipais, a sociedade só tem a ganhar. O que não dá é continuar pagando caro por um leão de papel que ruge nos relatórios, mas mia na realidade.