Tem dias que eu olho em volta e só vejo papel. Pessoas de papel, promessas de papel, instituições de papel. Tudo parece impresso numa gramatura frágil, dessas que rasgam só de encostar. É como viver dentro de um folheto de supermercado: colorido, chamativo, mas vencido antes mesmo de chegar à porta.
Já tentei me encaixar. Fiz a pose certa, vesti o discurso certo, balancei a cabeça no ritmo da conveniência. A cidade gosta disso: gente plastificada que sabe sorrir sem mostrar os dentes de verdade. Mas toda farsa tem prazo de validade — e eu cansei de atuar num teatro onde ninguém mais assiste.
A verdade? Tem horas que dá vontade de sumir. Não é fuga. É descompressão. É sair de cena antes que a cortina caia com tudo em cima.
O problema é que quando você some, o mundo não procura você — procura a versão que imaginava de você. Como no filme Cidades de Papel. Margo não era a musa misteriosa. Era só uma garota tentando quebrar o script. Mas ninguém quis enxergar isso. Preferiram a lenda à mulher.
Eu entendo a Margo. Às vezes, também quero que me esqueçam como produto e me encontrem como pessoa. Não esse personagem com crachá e CPF. Mas o ser humano por trás da pauta, da denúncia, da persona pública. Porque a cidade que construíram pra mim não é de concreto. É de expectativa.
E expectativa demais pesa mais que parede.
No fim, talvez a maior coragem não seja desaparecer. É permanecer sendo real, mesmo quando tudo à sua volta é feito de papel.